Soldados - Sobre lutar, matar e morrer de Sönke Neitzel e Harald Welzer




Cerca de um milhão de soldados alemães foram capturados pelas tropas britânicas e norte-americanas ao longo da Segunda Guerra Mundial – desde jovens praças de infantaria até oficiais condecorados da Luftwaffe e da SS. As divisões de espionagem dos Aliados, interessadas no potencial estratégico das conversas e confidências trocadas entre alguns desses prisioneiros, instalaram microfones ocultos em suas celas a fim de monitorar diálogos relevantes para a inteligência militar. Pistas decisivas sobre flutuações do moral do inimigo e o desenvolvimento de armas secretas pelo regime nazista apareceram nas dezenas de milhares de páginas transcritas dessas escutas.
Setenta anos após o conflito, esses inestimáveis documentos históricos – nunca antes publicados – são a base deste livro assombroso e surpreendente. Os autores oferecem uma radiografia extensa dos modos de ser, pensar e combater dos soldados de Hitler, mas também um olhar único e indispensável sobre a mentalidade dos militares em geral, que sempre insistiram em seu comportamento honrado durante as guerras. Esse mito é derrubado de uma vez por todas por essas gravações.



Esse livro, apesar de trazer um documento histórico incrível e imprescindível, pode também ser muito atual e revelar muito de nossa sociedade hoje, em pleno século XXI, mostrando que ou a história é mesmo cíclica ou a humanidade em geral não evoluiu em nada!

Para começar podemos ver que a espionagem é algo que vem de muito tempo atrás, então WikiLeaks e Snowden só vieram mesmo para revelar algo que existia – e ainda deve existir, pois duvido que os governos vão deixar uma arma dessas para trás! Mas o mais interessante nesse livro é o estudo sociológico e histórico que os autores fazem no início e que me fez refletir sobre muitas coisas e acontecimentos e me fez enxergar o mundo de uma outra forma.

Sönke é historiador e Harald, sociólogo e os dois se uniram para analisar o tesouro que são as gravações feitas, pelos Aliados, de conversas de soldados alemães presos durante a guerra. Esses relatos são como uma cápsula do tempo, pois como foram gravadas no decorrer da guerra, os soldados não sabiam quem sairia vencedor, nem quanto tempo a guerra duraria. O que eles tinham em mãos era o dia a dia desses indivíduos e o modo como eles interpretavam o que estava ocorrendo no mundo o o modo como se gabavam e/ou contavam suas experiências no decorrer das batalhas e ocupações.  São relatos crus, violentos e surpreendentes!

Uma das coisas que mais me chamou a atenção no livro foi aprender sobre "marcos referenciais". O que é isso? Vou transcrever a explicação dos autores:
"Os seres humanos não são como os cães de Pavlov. Eles não reagem a determinados estímulos com reflexos condicionados. Nos seres humanos, entre estímulo e reação acontece algo bastante específico, que representa a sua consciência e difere a espécie humana dos demais seres vivos: os seres humanos interpretam o que seus sentidos percebem e, só a partir dessa interpretação, tiram conclusões, decidem e agem. Por isso, ao contrário do que supunha a teoria marxista, os seres humanos jamais atuam com base em condições objetivas – nem se orientam exclusivamente pelos cálculos de custos e benefícios, como teóricos da rational choice nas ciências sociais e econômicas fizeram acreditar por muito tempo. Uma guerra não se explica inteiramente com ponderações de custo e benefício; ela tampouco surge necessariamente das circunstâncias objetivas. Um corpo sempre cai de acordo com as leis da gravidade, e nunca de outra maneira, mas o que as pessoas fazem pode ser sempre feito de outro jeito. Nem mesmo temas tão mágicos como as "mentalidades"  conseguem estabelecer o que os seres humanos fazem. Não que se duvide da importância das configurações psicológicas. As mentalidades antecedem as decisões, mas não as determinam. Embora a percepção e a ação dos seres humanos estejam ligadas a condições sociais, culturais, hierárquicas, biológicas e antropológicas, eles gozam de uma margem de interpretação  e de ação. Poder interpretar e tomar decisões pressupõe alguma orientação – e saber em que está envolvido e quais consequências cada decisão traz. Essa orientação fornece uma matriz ordenada de modelos interpretativos: o marco referencial.

Histórica e culturalmente, os marcos referenciais variam bastante: muçulmanos ortodoxos enquadram o comportamento sexual como moral ou reprovável em marcos distintos aos dos ocidentais secularizados. Nenhum membro  de nenhum dos grupos compreende o que vê livremente de referências que, não tendo procurado nem escolhido, ainda assim marcam, induzem e direcionam de maneira significativa seus sentidos e interpretações. Não quer dizer que não haja também, em situações especiais, extrapolações do marco referencial estabelecido e algo verdadeiramente novo seja visto ou pensado. Mas isso só ocorre raramente. Marcos referenciais garantem economia de ação: o que ocorre com mais frequência pode ser enquadrado em alguma matriz conhecida. Funciona como um alívio. Nenhum agente precisa começar sempre do zero, respondendo continuamente à mesma pergunta: o que está realmente acontecendo agora? As respostas a essa pergunta já estão, em sua grande maioria, pré-programadas e são reproduzíveis – armazenadas num acervo cultural de orientação e conhecimento que dissolve em rotinas, costumes e certezas boa parte dos encargos da vida e poupa os indivíduos de forma colossal."
Como se pode ver, se partirmos dessa definição de marcos referenciais, podemos compreender o mundo de um outro jeito, pois a cultura e sociedade é muito variável em todo o mundo. E uma das coisas que me chamou a atenção também foi quando os autores afirmaram que Hitler conseguiu mudar o marco referencial alemão em pouco mais de uma década, sendo que os marcos referenciais mudam somente durante gerações.

A parte alta do livro, porém, são as transcrições das conversas entre os soldados. Há todo um universo lá que a gente nem consegue imaginar! O horror, as mortes, o modo como lidavam com os fatos da guerra e da paz... tudo é um aprendizado tremendo e uma entrada numa mentalidade totalmente diversa da nossa! Tinha horas que eu tinha de parar, pois ficava escandalizada como o pouco caso que eles faziam das vidas humanas. Mas como os autores já explicam no começo: devemos ler sem julgamentos, pois o marco referencial deles é diferente do nosso, e eles não sabiam o que viria pela frente! (se bem que não sei se fariam diferente se soubessem...). O livro traz uma histórica reconstituição do Terceiro Reich e um estudo muito profundo da mentalidade dos soldados e pessoas que viveram nesse período e foram seduzidos pela aura de Hitler e seus asseclas. 

Mas quando disse que esse livro ainda pode ser traduzido para nossa era atual – século XXI – é porque é difícil não enxergar a ideologia que os nazistas seguiam tão ferrenhamente da ideologia dos jihadistas de hoje: há o mesmo ódio a quem não é como eles (arianos = islamitas), a mesma sanha de dominar o mundo (veja as guerras na África e em alguns países do Oriente onde cristãos e outras etnias estão sendo perseguidos por radicais islâmicos). Há toda uma cultura de ódio e perseguição ao diferente e um descaso total com a vida de inocentes! E acho que essa teoria dos autores sobre marcos referenciais pode ajudar a entender e compreender o mundo de hoje de uma forma mais clara e sem ideologias. Um livro para ser referência para sempre!



4 comentários:

Unknown disse...

Novo blog literário, pode seguir?
http://frasesnoslivros.blogspot.com.br/

blogueira disse...

otima resenha!! mesmo que esse tipo de história nao seja uma das minhas preferidas!! gostei dessa que vc mostrou aqui! muito bom
bookmoda123.blogspot.com

Tamires Marins disse...

Sempre tive problemas com livros que retratam a guerra, seja aqueles que retratam a guerra em si ou que retratam apenas os "bastidores", me sinto mal...tenho que superar esse meu bloqueio!

www.meuepilogo.com

Kamila Cavalcante disse...

Gostei da proposta do livro mas acho que não conseguiria ler o livro até o final. Tem sorteio rolando no meu blog, você poderia participar? Beijos https://kamilacavalcante.wordpress.com/2015/06/05/resenha-extraordinario-sorteio/

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