Miragem de Soheir Khashoggi

Jenna Sorrel é uma psicóloga que há cerca de dez anos vive em Boston com o filho. Autora de um livro sobre mulheres que sofrem violência nas mãos dos seus maridos, ela esconde sua verdadeira origem. É um assunto que ela conhece bem, mas que faz parte de um passado jamais exposto ao público do país onde vive há mais de dez anos com o único filho, Karim. Até que o passado ressurge quando ela se vê conduzida a um avião por homens que parecem policiais americanos. Afinal, sua entrada no país se deu com documentos falsos... Jenna, na realidade, é Amira Badir. Cresceu sob os rígidos costumes árabes e se tornou princesa ao se casar com o nobre Ali. Após descobrir um lado oculto da vida do marido, Amira decidiu fugir com o filho. Ofendido em sua honra, o príncipe Ali ainda tenta encontrá-la a qualquer custo. Mais do que uma história de luta e determinação, Miragem é uma saga comovente que aborda as crises de identidade cultural da mulher árabe que se muda para o Ocidente.

Era uma vez uma linda princesa aprisionada em uma torre por um bruxo malvado. Só que nesse aparente conto de fadas, o bruxo, a fera, o monstro é o príncipe. Quem salvará a princesa agora que o sapatinho de cristal se quebrou e a bela adormecida acordou? È ler para saber. O enredo é emoção e aventura em movimento.

Apesar de se passar no Oriente Médio, a trama cabe em qualquer lugar e época. Miragem de Soheir Khashoggi (tia de Dodi Al-Fayed: o namorado da Princesa Diana, morto em 1997). é um livro que fala sobre libertação acima de tudo. Como diz a própria autora, uma ficção baseada em fatos, isso quer dizer que nos remete a uma visão parcial do real pela a percepção privilegiada de Khashoggi. Amira Badir e Jenna Sorrel são talvez, os alter-egos que habitam a personalidade da autora que se equilibra nesse vínculo dual entre cultura árabe e ocidental. Porém, pelas as informações que me chegam mediante reportagens de jornais e revistas, a situação atual da mulheres do Oriente médio é de conquista. Ao contrário do relatado no livro, elas dirigem, estudam e trabalham.

Como disse é ficção e a história nos transporta para ambos os mundos: O oriental de Amira Badir e o ocidental de Jenna Sorrel. Mesmo os momentos mais críticos (e olha que são muitos!!!)são contados com sutileza sem pesar a mão. Um cuidado que confere mais qualidade a obra.

Balanço total
: Eu rompi com aquela minha resistência ocidental contra tudo que envolvesse burkas, a negação e inferioridade da mulher. Nem sei como o livro veio parar em minhas mãos. Quando dei por mim, o livro já estava na sacola. Querem saber? Valeu cada centavo pago.

Um trechinho (Quando Amira é flagrada pelo pai dançando Rock and Roll - Um momento de passagem):

"Na metade da manhâ, num horário que Omar estava sempre na cidade a negócios, a solidão de Amira e os anseios de seu corpo levaram-na a cometer uma insensatez. Foi até ao escritório do pai e ligou o rádio. Levou algum tempo para sintonizar na estação do Cairo, mas, enfim, ali estava, uma canção ocidental tocando, rock and roll, não era dos Beatles, mas a música era semelhante. Ergueu a saia e dançou, observando as próprias pernas compridas enquanto girava, tentando receuperar aquele sentimento esquecido, aquele breve sopro de liberdade. (...)

Ainda estava dançando mecanicamente e á toa, quando o pai esbravejou junto à porta:

— O que está fazendo? Que Alá não tivesse permitido que meus olhos vissem isso! Você é minha filha? — Lívido de raiva, Omar alcançou-a com uma passada e arrastou-a do escritório pelo cabelo.

Na ala das mulheres, houve exclamações de espanto quando ele adentrou.
—Onde está a minha esposa? Onde!

Jihan se materializou enquanto as demais mulheres desapareciam num farfalhar de roupas e arrastar de sandálias.

—O que é? O que há de errado, meu marido?


—Eu disse a você. Eu a avisei. Já é tempo...passa do tempo. Será feito agora!


Jihan sacudiu a cabeça.

—Mas, marido, ela não chegou à idade adequada. Ainda é uma criança.


—Uma criança que acabei de ver se sacudindo toda feito uma prostituta do Cairo, no meu escritório, ao som do meu rádio. Vá! Ainda está ligado. Vá ouvir a música pagã por si mesma.


—Acredito em você, Omar. Dê-lhe a punição que desejar. Acontece apenas que ainda não começou...


—Silêncio! — Omar avistou Bahia a um canto. — Você! você sabe o que deve ser feito. Vá buscar o necessário.


Amira jamais sentira tamanho terror. Havia pecado imensamente. Não apenas com sua dança vergonhosa, mas, cometendo peacado muito maior de despertar ghadab, ira, num dos pais. Crianças que o faziam colocavam em risco as próprias almas. Ela chorou, indefesa, enquanto Jihan emitia débeis prostestos que Omar, num silêncio de pedra, ignorava. Bahia reapareceu carregando abaia e véu.


—Isto não é a punição dela — informou Omar a Jihan. — Decidirei qual será depois. Isto é o que Alá ordena. Faça o que tem de ser feito. — Ele virou-se e saiu.


Elas levaram-na ao quarto de Jihan. Amira ainda chorava. Receber o véu devia ser uma ocasião de felicidade e orgulho, uma passagem para a fase adulta, mas ela arruinara tudo em definitivo.


—É cedo demais — murmurou. Foi tudo o que conseguiu dizer em sua defesa.


Mas agora era a mãe que agia com severidade:


—Já é tempo. Ousa desafiar o seu pai?


A longa vestimenta preta caiu sobre ela, cobrindo-lhe o rosto, embotando as cores do quarto, as cores da sua infância, escondendo sua face de todos que pudessem ter alegria em vê-la — mas também, pela graça de Deus, ocultando suas lágrimas".

8 comentários:

lili disse...

Fiquei interessada Vivi!
O seu comentário me lembrou um outro livro que li já faz uns aninhos atrás chamado A PRINCESA de Jean P. Sasson. Já leu? Muito bom, apesar de ter chorado horrores. O livro mostra de forma crua a rotina das mulheres árabes e sua cultura. Vc no livro fica com sentimentos não muito agradéveis em relação aos homens de lá...Mas indico, o livro te prende muito a atenção! E a história narra fatos verídicos e se enquadra como Biografias e Memórias. Fico aqui pensando que ela no caso uma princesa sofreu horrores, então imagina as mulheres 'normais'? Como poderia ser pior? Affffff
Bjs

Regina disse...

Eu achei o livro interessante. Eu também li Princesa e me revoltei horrores com a narrativa. Acho que, para nós, mulheres ocidentais, é difícil nos imaginar vivendo dessa maneira - sem liberdade e direitos.

Bjs

Vivi disse...

Lili e Regina, eu tenho o livro Princesa aqui em casa. È da minha irmã. Nunca o li. Porque sabia que eu iria ficar irada, principalmente, com as mulheres que aceitam viver subjugadas. Como eu sou pequena e boba ao achar que é simples se libertar de uma força cultural-religiosa fundamentalista. Eu evitava conhecer essa realidade como se ela estivesse distante de mim. Mas, quantas mulheres de que ouvi falar que perto de mim sofrem os mesmos abusos e violência. Como sou alienada. Bem, esse é o tipo de livro válido e necessário porque informa, nos faz refletir e nos entretêm.

Jeanne Rodrigues disse...

Vivi,

Que trecho é esse !!! Emocionante !!!
Quantos anos tem a Amira ?

Vivi disse...

Oi Jê

Que bom que gostou!!

Esse episódio intitula-se "Fim da infância" e Amira deveria ter cerca de 08, 09 anos.

Beijos
Vivi

Anônimo disse...

Caramba, mas que leitura forte e encorpada. Também tenho que dizer quer histórias sobre a mulher árabe em choque e sua inferioridade é sempre um choque pra mim. Mas se a pessoa sabe escrever bem não importa nomes, importa qualidade.

ótima resenha
BJ BJ

Unknown disse...

O livro A Princesa é da mesma autora do Livro Miragem .

Marcos Alves disse...

Já li A Miragem umas três vezes, adoro muuuito! O livro te prende demais e é emocionante!

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