UM LIVRO NO CHÁ DAS CINCO: Javier Marias

"María Dolz, uma solitária editora de livros, admira à distância, todas as manhãs, aquele que lhe parece ser o "casal perfeito": o empresário Miguel Desvern e sua bela esposa Luisa. Esse ritual cotidiano lhe permite acreditar na existência do amor e enfrentar seu dia de trabalho. Mas um dia Desvern é morto por um flanelinha mentalmente perturbado e María se aproxima da viúva para conhecer melhor a história. Passa então de expectadora a personagem, vendo-se cada vez mais envolvida numa trama em que nada é o que parecia ser, e em que cada afeto pode se converter em seu contrário: o amor em ódio, a amizade em traição, a compaixão em egoísmo. A história, narrada em primeira pessoa por María, sofre as oscilações de seus estados de espírito, de seus "enamoramentos", evidenciando que todo relato é tingido pela subjetividade de quem conta. Ao mesmo tempo, a presença incômoda dos mortos na vida dos que ficam é o tema que perpassa este romance, à maneira de um motivo musical com suas variações. Para desdobrar e reverberar esse mote, Javier Marías entrelaça a seu enredo referências a obras clássicas da literatura como Os Três Mosqueteiros, de Dumas, Macbeth, de Shakespeare, e, sobretudo, o romance O Coronel Chabert, de Honoré de Balzac, incluído como presente ao leitor nesta edição. Sustentando com maestria uma voz narrativa feminina, o autor eleva aqui a um novo patamar sua habilidade em nos envolver no mundo interior de seus personagens. Com Os enamoramentos, obra de plena maturidade literária, Javier Marías se reafirma como um dos maiores ficcionistas de nossa época. "

Embora o nome sejam extremamente romântico, Os Enamoramentos não é uma história de amor, ao menos no sentindo tradicional. O livro fala de morte, ausência e relacionamentos.

María, essa mulher solitária, que trabalha com livros e tem uma vida absolutamente vazia, sempre observa um casal na cafeteria durante o café-da-manhã. Imagina uma história para esse casal, que ela julga ter o casamento perfeito, um amor cheio de carinho e compreensão, enfim, eles são um modelo de vida, um estímulo para que María encare a frieza dos dias com mais calor.

Eis que eles simplesmente desaparecem. Até María descobrir, pelo jornal, não só o nome dos esposos, mas também que o marido foi assassinado em circunstâncias muito estranhas. Essa notícia chocante intriga María e ela quer saber mais. Até que um encontro casual com a viúva coloca a protagonista no caminho de uma história intrigante.

Luisa é a viúva de Miguel. Completamente apaixonada pelo marido, ela não consegue superar a perda e seguir em frente, para criar os dois filhos. María é um pequeno elo que liga a viúva com o marido, e ela lhe faz confidências. María acaba conhecendo também um amigo da família, Javier Díaz-Varela, homem misterioso, muito próximo do casal, que está cuidando da viúva agora.

Algo chama a atenção de María, e ela acaba se apaixonando pelo estranho. Só que Javier tem muitos segredos. E diz saber tudo sobre a morte de Miguel, e, principalmente, sobre seus desejos em vida. Até que ponto Javier é confiável? E a sua versão sobre a morte de Miguel é verdadeira?

A solitária María se vê envolvida numa tragédia que pode ter sido provocada em nome de um amor obsessivo.

Obra profundamente reflexiva e com poucos diálogos, esse romance é para se ler vagarosamente, absorvendo as palavras de María, a narradora, seus sentimentos, suas dúvidas e seus medos.

"A gente sempre se prolonga nos mais próximos, e esses se reconhecem e se juntam através do morto, como se seu contato passado com ele os fizesse pertencer a uma irmandade ou a uma casta." p.97